sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Criança – o elo esquecido


Muitas vezes acreditamos que a solução para nossos problemas está fora de nosso alcance, inacessível, e nos sentimos impotentes, vencidos.
É a pressa, o acúmulo de coisas a fazer a cada dia, as pendências,
as contas... que nos tornam estressados e nos impedem a calma para pensar e encontrar novos caminhos.
Então nos conformamos e deixamos acontecer. Não assumimos
o controle de nossa vida. “Deixamos a vida nos levar.”
Assim acontece também com nossas graves questões sociais, que implicam segurança, educação, cultura. Contemplamos uma paisagem social desarmoniosa, com sérios desníveis de cultura e segregação das classes mais pobres, convivemos diariamente com altos índices de violência, medo e desconfiança. Vemos isso na rua, assistimos na TV, ouvimos no rádio, nas rodas de conversa.
Os meios de comunicação de massa, com seu modelo de jornalismo sensacionalista, têm enorme parcela de responsabilidade na construção e na manutenção desse quadro negativo em nossa mente. A impressão que nos passam é de que a violência caminha para o terror, a insegurança toca os limites da paranoia e cada dia mais se consolida a descrença em um futuro melhor.
No entanto, essa nossa percepção do mundo e da vida está errada, distorcida. Nossos sentidos se habituaram aos acontecimentos negativos e construímos com suas impressões a imagem desalentadora que ocupa nossa mente e interfere em nossas emoções.
É certo que ainda não corrigimos diversas falhas e desequilíbrios em nossos sistemas social, político e econômico, não superamos o atavismo carregado de velhos conceitos e vícios que nos impedem a aquisição de novos valores e um crescimento mais acelerado. Mas já acumulamos muitas conquistas, nas esferas do conhecimento, da moral e da ética, que nos capacitam para grandes transformações. Isso se reflete nas instituições de direito atuais, voltadas para a criança, o adolescente, a mulher, o idoso...
E dispomos de inteligência, criatividade e os instrumentos para promover essas mudanças. Talvez o que nos falte sejam a vontade e a decisão para isso.
Uma barreira monumental, todavia, nos tolhe a vontade e a iniciativa de mudar nossa vida e a atmosfera social a nossa volta: o individualismo. Este é o nosso inimigo número 1. E afeta a cada um de nós, como pessoas comuns, e a todos que assumiram o compromisso de cuidar de nosso bem-estar e progresso, que são os políticos, os gestores, os administradores, nossos representantes no “poder”.
Tivessem eles, de verdade, o espírito de servir e empregassem todo o seu potencial de conhecimento e experiência no cumprimento de sua responsabilidade com a sociedade, nossa realidade seria bem outra, e sem dúvida muito melhor.
            De igual modo, nossos intelectuais, acadêmicos, religiosos, associados a instituições de Direito, Sociologia, Psicologia, Educação e tantas outras áreas do conhecimento, da pesquisa e do saber, nossos líderes nos diversos setores sociais, quanto poderiam fazer se estivessem norteados pelos ideais de desenvolvimento e progresso coletivo!
E, especialmente, se cada um de nós, em vez de apenas manifestar a indignação e críticas a essa situação ruim que constatamos, tivesse a iniciativa de contribuir para a melhoria que desejamos, imagine o surpreendente resultado! Atitudes, no modo de pensar, de ver e de agir, nas relações em família, no trânsito, na empresa, na escola, na rua...
Contudo, para a transformação dessa paisagem social, a médio e longo prazo, é imprescindível nossa atenção e investimento amplo e contínuo num setor básico e fundamental: a infância.
Tudo começa na infância, até mesmo uma ideia.
Nossa história, o que somos, o que fizemos, teve um princípio, uma infância. A partir dela, vivemos a aventura de experimentar, conhecer, amadurecer e saber.
Parece que nos esquecemos de que, na estrutura da sociedade, a família é a fundação, de onde todos nós viemos. E é na infância que recebemos os princípios, a educação, as orientações que vão nos guiar ao longo de toda a nossa vida. As famílias são as células que compõem toda a nossa organização social, e sua razão de ser.
Se uma única família não tiver as condições mínimas necessárias para oferecer a seus filhos esses princípios e orientações para seu desenvolvimento, toda a sociedade será afetada e terá que suportar as consequências advindas das distorções no caráter e na personalidade dessas crianças quando adultos e no pleno exercício de seu livre-arbítrio.
Nós os consideramos responsáveis, enquanto “maiores de idade”, emancipados, mas responsáveis somos todos nós: a família, a escola, a comunidade, o Estado. Todos fomos omissos, ou agimos mal, em cada fase e em cada setor por onde eles tenham passado.
Mesmo assim, esses indivíduos, então já feitos homens e mulheres, vão constituir novas famílias e oferecerão a seus filhos apenas aquilo que têm!...
Imaginemos agora milhares, milhões de famílias nessa situação, sem os recursos mínimos, materiais e morais, para a educação de suas crianças!
É por essa razão que assistimos hoje a esse cenário de vícios, crimes, degradação e exclusão social.
E de que modo a sociedade, que somos nós e nossos representantes, reage a isso? Penalizando essas pessoas, condenando-as ao isolamento, à prisão, à promiscuidade e, muitas vezes, à morte.
Perguntemos, nas rodas de conversa, o que as pessoas pensam sobre o que se deveria fazer com as crianças, adolescentes e adultos que vivem pelas ruas e favelas, envolvidos com as drogas, o tráfico e os crimes. Com certeza muitos de nós já ouviram respostas como “O certo é matar todo mundo!”
Uma frase que ouvi do escritor e orador Divaldo Pereira Franco sintetiza bem esse paradoxo. Dizia ele que a adoção da pena de morte pela sociedade é o atestado de sua própria falência.
É um terrível engano pensar que uma criança abandonada na rua, um mendigo na calçada ou uma família socialmente excluída numa favela nada tem a ver conosco. Ao contrário, tem tudo a ver com cada um de nós e com a sociedade inteira!
De uma maneira ou de outra, pagaremos o preço por nossa omissão, indiferença e exclusão. Por exemplo, a criança deixada hoje abandonada à própria sorte poderá ser amanhã o assaltante que nos surpreenderá no farol, ou que estará aliciando nossos filhos nas vizinhanças da escola, explodindo caixas eletrônicos, realizando sequestros relâmpagos... Ou seja, poderão ser os autores e os protagonistas dos noticiários de violência que ouvimos diariamente.
Quando são presos, o alto custo para sua manutenção é debitado em nossa conta de impostos – além de terem sua situação agravada pela estrutura ineficiente de nosso sistema penitenciário; se ficam doentes, se são mortos, de qualquer modo vão gerar elevado ônus para toda a sociedade.
E suas famílias, mulheres, filhos, que destino terão?
No entanto, o anverso dessa história também é verdadeiro: tudo o que for feito para a garantia dos direitos da criança e todo o investimento em benefício de seu desenvolvimento refletirão no adulto em que ela se tornará, afetando de modo positivo sua família, sua comunidade e toda a sociedade.
A infância é uma sementeira fértil, que pode produzir bons frutos se
a cultivarmos com o necessário cuidado e carinho, ou naturalmente veremos crescer as ervas daninhas espalhando seus frutos nocivos, refletindo nossa displicência e irresponsabilidade.
O que fazer?
No âmbito do governo, políticas públicas sérias e bem planejadas, direcionadas para todas as áreas e de forma abrangente, como nutrição, saúde, educação, que contemplem a criança e a família, prioritariamente, vão prevenir a maior parte das disparidades e dramas sociais que vivemos.
No âmbito da iniciativa privada, o cumprimento da responsabilidade social pelas empresas, ONGs, federações, associações, órgãos representativos de classes, com pesquisa, planejamento e ações realmente efetivas, com objetivos e metas bem definidos, não permanecendo na defesa de seus interesses particulares nem se eximindo desse comprometimento por considerá-lo atribuição exclusiva do Estado.
No que concerne aos indivíduos, tão ou mais importantes do que essas ações governamentais e de grupos devem nossas atitudes, em todos os campos de atuação, refletir nosso caráter guiado pela ética, pela responsabilidade e pelo comprometimento com a construção de uma sociedade saudável, em que todos possam compartilhar os benefícios do bem-estar, da paz e de um futuro mais feliz.
Somente com a renúncia ao individualismo, a moderação do consumismo e da ambição, assimilando os verdadeiros princípios que regem a vida, com um comportamento consciente e a iniciativa solidária de participar e cooperar, teremos o mundo que tanto desejamos.
Luiz Teodoro – setembro de 2012