quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Somos seres em construção


  Como não podemos deixar de pensar, pois nossa mente não dorme nem para, vamos tecendo um emaranhado de ideias, informações, preocupações, dúvidas e projetos, cujo arquivo vai crescendo e fugindo de nosso controle. Especialmente nos dias atuais, em plena era da comunicação, com todo o bombardeio a que somos submetidos pelos novos mecanismos tecnológicos, os apelos ao consumismo e outras necessidades que inventamos ou que nos vêm através das burocracias sociais, econômicas e políticas.
            Nessa agitação toda, nos perdemos na organização de nosso universo individual, que demanda o estabelecimento de uma ordem prioritária para o atendimento aos diversos papéis que desempenhamos nos meios em que vivemos.
            Tudo seria mais fácil se tivéssemos uma estrutura da qual fôssemos conscientes e que nos facilitasse o direcionamento de nossas ocupações mentais, atendendo a nossas necessidades e anseios, desde os aspectos fisiológicos até os que dizem respeito a nosso psiquismo, englobando as emoções, o afeto, a espiritualidade.
            No entanto, essa estrutura não existe, pelo menos qualificada o suficiente para nos proporcionar bem-estar e segurança. Por que não?
            Primeiro porque não nos treinamos para isso. Na maior parte do tempo, deixamos as coisas acontecerem e nos afetarem, postergando muitas vezes sua solução, e contraindo com isso o vírus do stress.
Depois, não definimos claramente departamentos em nosso psiquismo para onde triássemos as novas ideias e informações, ou simplesmente rejeitássemos as inconvenientes. Deixamos que se acumulem registros importantes misturados aos fúteis e, pior, aos nocivos. Com isso surgem as interferências, as interpretações equivocadas, os conflitos, constituindo uma plataforma emocional nem sempre positiva.
Entre as causas dessa situação, talvez a principal seja o fato de não nos conhecermos. Não sabemos de nossa origem, nossos objetivos, desconhecemos os motivos e a finalidade por que vivemos. Ignoramos, enfim, nossa identidade. Como, então, organizar e controlar o enorme e ininterrupto fluxo de pensamentos e informações sem esses parâmetros?
            Acumulamos na memória muitas coisas desnecessárias, lembranças ruins ou inteiramente dispensáveis. Damos importância exagerada, quase exclusiva, ao mundo objetivo, ao futuro, buscando ou esperando fora de nós a solução para nossas deficiências e a satisfação de nossos desejos, à maneira do extrativista, com insaciável sede e fome de novidades.
            Esquecemo-nos. Não nos ouvimos, não conversamos com nós mesmos, não nos abraçamos, não nos sorrimos, não nos amamos.
            A partir do autoconhecimento, nossa relação com o mundo, com as pessoas e com os acontecimentos teria forma e dimensões significativamente diferentes, e melhores.
Melhoraríamos nossa capacidade de escolha, mudando o modo pelo qual os acontecimentos nos afetam e focalizando nossa atenção naquilo que realmente nos interessa.
Cuidaríamos mais de nossa defesa, filtrando as interferências, qualquer que seja sua fonte, impedindo que nos desrespeitem. Afinal, quem cuida de nós somos nós, e é de nosso interesse preservar nossa integridade, com saúde física, mental e emocional.
Devemos investir mais em nosso desenvolvimento intelectual, moral, espiritual, aproveitando melhor o tempo e a oportunidade que a vida nos oferece para nosso aperfeiçoamento.
Felizmente, agora, a própria Medicina nos recomenda cuidados que vão além da saúde puramente física, como a leitura frequente, o lazer, os exercícios físicos e mentais. No entanto, está muito aquém de atender às múltiplas necessidades dos seres tão complexos que somos.
Estamos, porém, em construção. Pensadores, estudiosos e pesquisadores constantemente contribuem para ampliar nossa percepção de nós mesmos, e a descoberta de que obedecemos a um plano – inteligente, obviamente – cujo objetivo é nossa realização, nossa completude.
Iniciamos, assim, a base do autoconhecimento. Por enquanto, utilizamos o conhecimento objetivo para esse propósito, até que consigamos construir a estrutura acima referida, a partir da qual, saberemos aproveitar todas as fontes de informação, principalmente em nossas relações sociais, assimilando os elementos que nos satisfaçam, ao mesmo tempo em que contribuiremos para o crescimento de todos a nossa volta.
Habituemo-nos a viajar para dentro de nós mesmos, buscando conhecer nossos sentimentos, nossas qualidades, valores e conquistas. Driblemos nossa mente viciada e dominada pelos interesses imediatos do materialismo e procuremos desvendar nossos próprios segredos. Não sejamos estranhos a nós mesmos. Não nos evitemos, e sim nos aproximemos, tornando esse ser nosso melhor amigo, alguém a quem realmente amamos.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

A Educação e a Felicidade


Educação–liberdade–felicidade, sem dúvida, deve ser o caminho de todos nós, mas é preciso compreender de forma mais abrangente e profunda cada passo dessa trajetória. Essa é a reflexão que proponho aqui.

Primeiramente, confunde-se instrução com educação. Huberto Rohden (filósofo, educador e teólogo catarinense18931981), ao ser questionado em entrevista sobre o que pensava da Educação no Brasil, afirmou que “não existe Educação em nenhum país.” “...Em vez de Educação, deveriam chamar de Instrução: Secretaria da Instrução, Ministério da Instrução, etc.” (Educação do Homem Integral).
O que se oferece no currículo das escolas, de origem das secretarias e
dos ministérios, não pode ser entendido por educação. Em outras palavras,
a formação acadêmica, por si mesma, não dá ao homem a educação, nem o torna bom, pois encontramos homens com variados diplomas e títulos que não são educados; pessoas cultas, eruditas que demonstram em seu comportamento e caráter a falta da mais elementar educação. Paradoxalmente, temos a satisfação de conhecer pessoas simples, algumas socialmente excluídas, outras até analfabetas, sem nenhuma “instrução”, que são educadas até a beira da sabedoria.

A educação resulta de um processo de transformação, individual, que
se inicia com a aceitação, pela pessoa, das ideias a que tem acesso e que, assimiladas, com o tempo e sua prática repetitiva tornam-se hábitos, parte integrante de sua personalidade e seu caráter.  É assim que vai construindo sua moral e sua ética, que norteiam suas atitudes e seu comportamento.

Ainda com base no que nos diz Rohden, a partir do momento em que você conhece algo, você se liberta dele. Então podemos, realmente, afirmar que
a “educação” ou instrução (conhecimento) leva-nos à liberdade. Isso nos induz a incluir em nossa reflexão o autoconhecimento. A partir dele, nos libertaremos de nossos medos, de nossas incertezas e inseguranças. Aliás, não é esse o meio de que a psicanálise se utiliza para a “cura”?

Esse pensamento nos remete ao que nos disse outro filósofo: “Conhecereis a verdade e ela vos libertará.”

Continuando com Rohden, a educação só acontecerá com seu direcionamento para a autorrealização, a plena realização da natureza humana em sua totalidade. Nesse sentido, podemos também afirmar que a felicidade depende da educação.

Sabemos que a instrução, pela escola/ensino formal, pelos cursos de complementação, congressos, encontros, grupos de estudos e outros meios é fundamental para a aquisição de conhecimento, mas sabemos também que outras áreas que lidam com o pensamento e o comportamento, como a filosofia, a psicologia, e mesmo a religião, são imprescindíveis para a consolidação do conhecimento e a conscientização necessária para a educação.

Outro ingrediente atribuído à educação, apregoado pelas religiões, especialmente pelo Cristianismo, é o amor. Na verdade, ele sintetiza tudo
o que constitui a educação e está além dela. A educação é um estágio no desenvolvimento que leva ao aprendizado do amor.

Amar, segundo os sábios gregos, é praticar as virtudes (para Platão e Aristóteles, o homem não pode ser feliz praticando o mal; a felicidade está associada às ações virtuosas).

            Então, estendemos o caminho para a felicidade:
            Educação–liberdade–amor–felicidade.

                                                                                     Luiz Teodoro
                                                                                     Julho de 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Colecionador de Sorrisos


Sentado em um canto – que lhe estivera disponível porque embarcou no início da linha –, assistia ao diálogo de seus pensamentos, que discutiam a transformação que poderia ocorrer em nosso mundo se tivéssemos maior consciência sobre nós mesmos e sobre o sentido da vida.
Assim como ele, a maioria dos passageiros estava absorta em seus pensamentos, cada qual viajando em seu universo mental, relembrando fatos de sua história ou buscando soluções para suas dúvidas e projetos.
Alguns, ensimesmados, olhavam o vazio, talvez voando entre as nuvens de suas preocupações; outros mantinham os olhos fechados, vencidos pelo cansaço e pelo sono. Uns poucos conversavam futilidades e muitos estavam abduzidos pelo aparelho celular, fato tão comum em todo lugar hoje em dia.
            Como sempre fazia, perscrutava cada rosto no vagão, procurando identificar em suas expressões o que se passava no íntimo das pessoas. O foco maior de seu interesse, todavia, era o sorriso. Toda vez que via alguém sorrindo, ficava encantado com a fisionomia do rosto, o brilho nos olhos, o desenho dos lábios, mas especialmente com algo que brotava da alma e se espalhava, flutuante, inebriante, formando a sua volta um halo de luz invisível, contrastando com a tônica do ambiente.
            Não é qualquer sorriso que produz tais efeitos. Não são os sorrisos frios, quase mecânicos, presentes nas relações profissionais ou entre colegas, nas quais não há confidência, e denotam conveniência e superficialidade. Também não são aqueles sorrisos compulsórios, que são forçados a aprovar sem consentir, testemunhando submissão ou bajulação. Nem os sorrisos que brotam da amabilidade dos amigos, que sempre mantêm alguma reserva. Muito menos as gargalhadas ruidosas, que dissimulam a timidez ou a autoafirmação, a arrogância ou a vaidade.
            Observava que em certas relações românticas há momentos de relativa entrega, mas seus sorrisos se mesclam à volúpia, a libidinagem. É que essas relações têm muito do fisiológico, que nublam o sublimado da alma, escondendo os lampejos do amor – como o diamante ainda não lapidado, que não consegue refletir o brilho puro e intenso. Diferente do que acontece com os casais mais maduros: à medida que seus corpos vão se tornando marcescíveis, afrouxam as barreiras e liberam mais fácil e naturalmente os arroubos amorosos. Vale a pena contemplar o que querem dizer a serenidade e a meiguice de seus gestos, seus olhares!
Via no sorriso franco e espontâneo uma manifestação da alma pura, que normalmente fica recôndita, constringida pela carga de interesses e necessidades materiais. Era esse extravasamento do espírito que o atraía sobremaneira, e que ele queria apreender, reter e prolongar indefinidamente, mas que escapava e se diluía em instantes, cedendo lugar às máscaras da rotina. Então, o desejo de compreender o fenômeno e desfrutar essa sensação de pureza, que lhe transmitia um misto de alegria, de êxtase, tornou-se uma obsessão e fez dele o Colecionador de Sorrisos.
Naquele dia a predominância era de uma viagem qualquer, não lhe oferecendo significativos elementos para colheita.
Alguns sorrisos, atendendo ao hábito, cumpriam a função de simpatia; mesmo não preenchendo os requisitos do objeto da busca, eram agradáveis, pois favoreciam o clima da boa convivência.
O Colecionador de Sorrisos sentia uma certa dose de tristeza ao ver feições carrancudas, expressões impacientes e, lamentavelmente, os olhares indiferentes, alienados, como se não tivessem vida.
Salvou-lhe o dia a mamãe com o filho no colo. Valeu-lhe o percurso das quatro estações, até seu desembarque. O olhar sereno endereçava ao menino indizível ternura, doce, envolvente. Os gestos tinham só carinho e proteção. O sorriso... ah!... o sorriso dizia tanto... palavras sem som, sem forma, sem fórmula, mas que falavam tudo, como uma explosão de carícia, de declarações, de sentimentos e sensações. De amor. De puro amor!
Sentisse a criança toda a força daquela vibração, não caberia em si. Não fossem as camadas de proteção com que a Natureza sábia a reveste, escaparia de seu corpo frágil e volitaria aos gritos de alegria para as alturas!
Bendita maternidade! Bendita oportunidade de provar que a felicidade é amar!


                                                           Luiz Teodoro
                                                             22-8-2013