terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Colecionador de Sorrisos


Sentado em um canto – que lhe estivera disponível porque embarcou no início da linha –, assistia ao diálogo de seus pensamentos, que discutiam a transformação que poderia ocorrer em nosso mundo se tivéssemos maior consciência sobre nós mesmos e sobre o sentido da vida.
Assim como ele, a maioria dos passageiros estava absorta em seus pensamentos, cada qual viajando em seu universo mental, relembrando fatos de sua história ou buscando soluções para suas dúvidas e projetos.
Alguns, ensimesmados, olhavam o vazio, talvez voando entre as nuvens de suas preocupações; outros mantinham os olhos fechados, vencidos pelo cansaço e pelo sono. Uns poucos conversavam futilidades e muitos estavam abduzidos pelo aparelho celular, fato tão comum em todo lugar hoje em dia.
            Como sempre fazia, perscrutava cada rosto no vagão, procurando identificar em suas expressões o que se passava no íntimo das pessoas. O foco maior de seu interesse, todavia, era o sorriso. Toda vez que via alguém sorrindo, ficava encantado com a fisionomia do rosto, o brilho nos olhos, o desenho dos lábios, mas especialmente com algo que brotava da alma e se espalhava, flutuante, inebriante, formando a sua volta um halo de luz invisível, contrastando com a tônica do ambiente.
            Não é qualquer sorriso que produz tais efeitos. Não são os sorrisos frios, quase mecânicos, presentes nas relações profissionais ou entre colegas, nas quais não há confidência, e denotam conveniência e superficialidade. Também não são aqueles sorrisos compulsórios, que são forçados a aprovar sem consentir, testemunhando submissão ou bajulação. Nem os sorrisos que brotam da amabilidade dos amigos, que sempre mantêm alguma reserva. Muito menos as gargalhadas ruidosas, que dissimulam a timidez ou a autoafirmação, a arrogância ou a vaidade.
            Observava que em certas relações românticas há momentos de relativa entrega, mas seus sorrisos se mesclam à volúpia, a libidinagem. É que essas relações têm muito do fisiológico, que nublam o sublimado da alma, escondendo os lampejos do amor – como o diamante ainda não lapidado, que não consegue refletir o brilho puro e intenso. Diferente do que acontece com os casais mais maduros: à medida que seus corpos vão se tornando marcescíveis, afrouxam as barreiras e liberam mais fácil e naturalmente os arroubos amorosos. Vale a pena contemplar o que querem dizer a serenidade e a meiguice de seus gestos, seus olhares!
Via no sorriso franco e espontâneo uma manifestação da alma pura, que normalmente fica recôndita, constringida pela carga de interesses e necessidades materiais. Era esse extravasamento do espírito que o atraía sobremaneira, e que ele queria apreender, reter e prolongar indefinidamente, mas que escapava e se diluía em instantes, cedendo lugar às máscaras da rotina. Então, o desejo de compreender o fenômeno e desfrutar essa sensação de pureza, que lhe transmitia um misto de alegria, de êxtase, tornou-se uma obsessão e fez dele o Colecionador de Sorrisos.
Naquele dia a predominância era de uma viagem qualquer, não lhe oferecendo significativos elementos para colheita.
Alguns sorrisos, atendendo ao hábito, cumpriam a função de simpatia; mesmo não preenchendo os requisitos do objeto da busca, eram agradáveis, pois favoreciam o clima da boa convivência.
O Colecionador de Sorrisos sentia uma certa dose de tristeza ao ver feições carrancudas, expressões impacientes e, lamentavelmente, os olhares indiferentes, alienados, como se não tivessem vida.
Salvou-lhe o dia a mamãe com o filho no colo. Valeu-lhe o percurso das quatro estações, até seu desembarque. O olhar sereno endereçava ao menino indizível ternura, doce, envolvente. Os gestos tinham só carinho e proteção. O sorriso... ah!... o sorriso dizia tanto... palavras sem som, sem forma, sem fórmula, mas que falavam tudo, como uma explosão de carícia, de declarações, de sentimentos e sensações. De amor. De puro amor!
Sentisse a criança toda a força daquela vibração, não caberia em si. Não fossem as camadas de proteção com que a Natureza sábia a reveste, escaparia de seu corpo frágil e volitaria aos gritos de alegria para as alturas!
Bendita maternidade! Bendita oportunidade de provar que a felicidade é amar!


                                                           Luiz Teodoro
                                                             22-8-2013

2 comentários:

  1. Um sorriso vale mesmo todo o percurso.

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  2. Querida Ellen,
    Obrigado por partilhar a ideia!
    O sorriso abre mesmo muitas portas, principalmente a do coração.

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