Sentado em um canto – que lhe estivera
disponível porque embarcou no início da linha –, assistia ao diálogo de seus
pensamentos, que discutiam a transformação que poderia ocorrer em nosso mundo se
tivéssemos maior consciência sobre nós mesmos e sobre o sentido da vida.
Assim como ele, a maioria dos passageiros
estava absorta em seus pensamentos, cada qual viajando em seu universo mental,
relembrando fatos de sua história ou buscando soluções para suas dúvidas e
projetos.
Alguns, ensimesmados, olhavam o vazio, talvez
voando entre as nuvens de suas preocupações; outros mantinham os olhos
fechados, vencidos pelo cansaço e pelo sono. Uns poucos conversavam futilidades
e muitos estavam abduzidos pelo aparelho celular, fato tão comum em todo lugar
hoje em dia.
Como sempre fazia, perscrutava cada
rosto no vagão, procurando identificar em suas expressões o que se passava no
íntimo das pessoas. O foco maior de seu interesse, todavia, era o sorriso. Toda
vez que via alguém sorrindo, ficava encantado com a fisionomia do rosto, o
brilho nos olhos, o desenho dos lábios, mas especialmente com algo que brotava
da alma e se espalhava, flutuante, inebriante, formando a sua volta um halo de
luz invisível, contrastando com a tônica do ambiente.
Não é qualquer sorriso que produz
tais efeitos. Não são os sorrisos frios, quase mecânicos, presentes nas
relações profissionais ou entre colegas, nas quais não há confidência, e
denotam conveniência e superficialidade. Também não são aqueles sorrisos compulsórios,
que são forçados a aprovar sem consentir, testemunhando submissão ou bajulação.
Nem os sorrisos que brotam da amabilidade dos amigos, que sempre mantêm alguma
reserva. Muito menos as gargalhadas ruidosas, que dissimulam a timidez ou a
autoafirmação, a arrogância ou a vaidade.
Observava que em certas relações
românticas há momentos de relativa entrega, mas seus sorrisos se mesclam à volúpia,
a libidinagem. É que essas relações têm muito do fisiológico, que nublam o
sublimado da alma, escondendo os lampejos do amor – como o diamante ainda não
lapidado, que não consegue refletir o brilho puro e intenso. Diferente do que acontece
com os casais mais maduros: à medida que seus corpos vão se tornando marcescíveis,
afrouxam as barreiras e liberam mais fácil e naturalmente os arroubos amorosos.
Vale a pena contemplar o que querem dizer a serenidade e a meiguice de seus gestos,
seus olhares!
Via no sorriso franco e espontâneo uma
manifestação da alma pura, que normalmente fica recôndita, constringida pela carga
de interesses e necessidades materiais. Era esse extravasamento do espírito que
o atraía sobremaneira, e que ele queria apreender, reter e prolongar
indefinidamente, mas que escapava e se diluía em instantes, cedendo lugar às
máscaras da rotina. Então, o desejo de compreender o fenômeno e desfrutar essa sensação
de pureza, que lhe transmitia um misto de alegria, de êxtase, tornou-se uma obsessão
e fez dele o Colecionador de Sorrisos.
Naquele dia a predominância era de uma viagem qualquer,
não lhe oferecendo significativos elementos para colheita.
Alguns sorrisos, atendendo ao hábito, cumpriam
a função de simpatia; mesmo não preenchendo os requisitos do objeto da busca,
eram agradáveis, pois favoreciam o clima da boa convivência.
O Colecionador de Sorrisos sentia uma certa
dose de tristeza ao ver feições carrancudas, expressões impacientes e,
lamentavelmente, os olhares indiferentes, alienados, como se não tivessem vida.
Salvou-lhe o dia a mamãe com o filho no colo.
Valeu-lhe o percurso das quatro estações, até seu desembarque. O olhar sereno
endereçava ao menino indizível ternura, doce, envolvente. Os gestos tinham só carinho
e proteção. O sorriso... ah!... o sorriso dizia tanto... palavras sem som, sem
forma, sem fórmula, mas que falavam tudo, como uma explosão de carícia, de
declarações, de sentimentos e sensações. De amor. De puro amor!
Sentisse a criança toda a força daquela vibração,
não caberia em si. Não fossem as camadas de proteção com que a Natureza sábia a
reveste, escaparia de seu corpo frágil e volitaria aos gritos de alegria para
as alturas!
Bendita maternidade! Bendita oportunidade de provar
que a felicidade é amar!
Luiz
Teodoro
22-8-2013
Um sorriso vale mesmo todo o percurso.
ResponderExcluirQuerida Ellen,
ResponderExcluirObrigado por partilhar a ideia!
O sorriso abre mesmo muitas portas, principalmente a do coração.